Temos enorme dificuldade de expurgar os nossos lixos, de remoer as nossas feridas não cicatrizadas. Quando a dor acalma e sentimo-nos melhor, tiramos o curativo e não a olhamos mais, em vez de fixar a visão nela, rememorar as suas possíveis causas e, assim, fazê-la desaparecer, ou, no mínimo, ser quase que plenamente apagada.
A dor de amor, por exemplo, é uma ferida que rompe com a racionalidade, impede-nos de agir conscientemente, deixa-nos atônitos, cria uma espécie de pusilanimidade. Porém, o poeta pode ter razão, pois a é ferida que dói e não se sente, mas é essa dor em si que nos deixa em estado de ânimo alterado em relação ao comportamento racional e faz-nos querer esquecê-la. Já a ferida física fica a doer em estado latente, chama-nos a atenção para a sua presença e, quando a esquecemos, deixamos de senti-la. Portanto, é a própria ferida que se mostra e esconde-se.
Mas quando nos impedem de sangrar a ferida que está aberta no seio da pátria, que fazemos? Que faremos? Que fizemos? Calamo-nos como o fazemos agora, calar-nos-emos e permaneceremos calados, porque assim sempre o fizemos. Somos um povo calado de curtíssima memória. Somos um povo facilmente manipulável. Somos assim e somos hipócritas e egoístas por não o admitir, por culparmos o outro e dizer que fazemos a nossa parte. Se o que julgamos ser a nossa parte não surte efeito, estamos sendo, historicamente, incompetentes, ou a nossa parte é maior e não conseguimos abrangê-la em sua totalidade.
Este ano, comemoramos (e devemos comemorar realmente) vinte e cinco anos do fim da ditadura militar no Brasil. E os desaparecidos? E os assassinados? E os que perderam seus empregos ou a sua pátria? E os que foram torturados física e/ou psicologicamente, a fim de que pudéssemos gozar desta "liberdade"? Essa é uma ferida aberta e poderia ser expurgada plenamente, com todas as restrições que essa generalização possa acarretar, pois muitos dos causadores dessa dor ainda vivem e, paradoxalmente (ou não), isso impede a apuração de diversos fatos. Então, olhar para essa ferida, trazê-la à tona poderia ser a redenção, mas, simultaneamente, é o impedimento. É o que cobre a ferida com panos quentes. Aí está mais um atestado de povo calado que somos, e essa é uma ferida que dói por si, contudo, não é curada por culpa dos que a originaram.
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