domingo, 17 de outubro de 2010

Solidão

O medo de que a única voz ouvida seja o eco da nossa é constante. A solidão é estar em companhia consigo mesmo, e nós somos tão rudes, tão maus, tão egoístas em nosso íntimo a ponto de nos refutarmos.
Estar só é estar acompanhado de tudo que se esconde dos outros, é estar com o eu que não mostramos a ninguém, é estar com nossas angústias, anseios, nossos desejos, nossas buscas, nossas recusas. Estar só é obrigar-se a estar acompanhado do silêncio eloqüente do nosso âmago, é escutar a voz interior contando-nos como somos de fato, o que temos de essência e o que mudou.
Mas, estar só é saber observar erros e acertos, é glorificar-se pelo que nos agrada, é arrepender-se das escolhas (e das renúncias, uma não vem sem a outra), é saber que a nossa existência é extremamente importante para nós apenas. Mas isso é o mais importante, pois somos nós os responsáveis por ela, e é a nos que deve interessar.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Latinidade II

(Continuação)
Contudo, idiossincrasias todos os países latinos têm. Seja na variedade lingüística, na literatura, no Estado, na forma de conduzir a economia, no liberalismo ou conservadorismo do seu povo, seja na visão de mundo própria do país. Apesar de todos esses itens citados, compartilhamos mais semelhanças do que diferenças. A primeira é nos opormos ao Ocidente. Na verdade, não uma oposição, mas uma mágoa por sabermos que não somos parte disso convencionadamente chamado Ocidente no qual temos desejo de intrometermo-nos. Fomos colonizados pelo Ocidente e nos liberamos da servidão por seus filhos criollos que deixaram uma forte chaga de semente no solo latino que até hoje faz florescer caudilhos populistas em estações políticas semelhantes à primavera compartilhadas pelos latinos.
É interessante percebermos essas diferenças e semelhanças, pois elas nos fazem perceber o outro; perceber que não somos únicos e elementos culturais são convenções que se enraízam em nossas mentes. Sim, as fronteiras são a maior ficção inventada pelo homem. Basta retornarmos ao meu local de nascimento para observar que idiomas, países, pessoas e inclusive horários diferentes, em alguns meses do ano, apenas se diferenciam por questões convencionadas. Assim, latinos de duas identidades compartilham suas diferenças produzidas pela cultura sem perceber que somos mais parecidos do que diferentes. Se essa fronteira tangível evidencia tal fato, todas as demais fronteiras latino-americanas podem fazer o mesmo, basta que nos entendamos como produtos dessa mesma cultura. 

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Latinidade I

Nasci em um lugar muito peculiar, mas apenas percebi isso quando me afastei dele, fui a um ponto onde ninguém o conhecia e a curiosidade estava criada. Senti-me dono do segredo, poderoso conhecedor de uma realidade nova para todos e, neste momento, para mim também. A fronteira, meu lugar natal, já é algo ambígua por natureza, no entanto, imaginem quando o local é diferente das outras fronteiras do mundo. Sim, não há águas que a dividam, nem pontes, nem alfândegas, senão as ruas principais de um país acabando nas ruas principais do outro. À medida que as pessoas vão observando as peculiaridades dessa fronteira, o trânsito livre de seus cidadãos, os idiomas diferentes com perfeito entendimento de ambas as partes, vão criando uma curiosidade à Eldorado de um lugar distante.
Meu pai, uruguaio típico, minha mãe, representante da brasilidade encravada em uma língua portuguesa limpa e estudada, comunicam-se perfeitamente, dividem sentimentos e um filho.  Isso aponta uma situação de latinidade. Isso também apenas percebi quando estava distante. Na Argentina, conheci além de argentinos, obviamente, mexicanos, paraguaios, chilenos, peruanos, guatemaltecos e europeus. Observamos, os latinos, que o primeiro requisito de latinidade era negá-la, era dizer que latinos eram os outros. “Uruguaio, você é bem latino”, “não. Latinos são os mexicanos.” “Mexicano, tu és o exemplar do latino-americano!” e ele respondia: “Latinos são os centro americanos”, “Guatemalteco, o estereotipo do latino.” “latinos são os chilenos”, e assim ad infinitum. Os brasileiros nem se menciona como negam essa latinidade, haja vista o idioma que nos afasta e uma série de idiossincrasias.
(Continua)