terça-feira, 4 de agosto de 2015

Sentidos

A comunicação não só fascina os seres humanos há longa data, como também é a propriedade que nos permite fascinarmo-nos com ela. Estudos sobre a comunicação existem desde tempos remotos, tanto no Ocidente quanto no Oriente. Estudaram-se as propriedades da linguagem, seu funcionamento, sua construção, a capacidade do sujeito de usá-la, mas, quiçá, o mais interessante seja a produção de sentidos, afinal isto não é individual, sendo talvez nossa essência humana, a capacidade de nos fazer entender, de querer que o outro tente chegar o mais próximo possível daquilo que nós buscamos enunciar.
Entretanto, com a atomização da sociedade, o niilismo imperante, o individualismo e o egoísmo que marcam nossa época, a produção de sentido também se desestabiliza. Não temos mais diálogos, mas um mosaico de monólogos, com cada lendo ou ouvindo do outro apenas o que deseja, mas não o que foi realmente dito. Essa tônica acaba por nos afastar uns dos outros, ampliando a sensação de solidão, talvez a angústia contemporânea mais latente. Estamos próximos, comunicamo-nos diuturnamente, mas, na verdade, sentimo-nos sozinhos, presos em nossos conceitos, sem paciência para ouvir algo diferente do que minha voz possa dizer ou aquilo que outras vozes ecoam da minha própria voz, ou seja, só ouvimos a nós mesmos, tornando-nos, assim, mais egoístas ainda. 
E o diferente? O diferente, que é a verdadeira riqueza, a ideia básica do indivíduo, que, infelizmente, descambou para o individualismo, sua realização plena e única dentro de uma coletividade é acachapada pelos gritos histéricos de quem não consegue lidar com a diferença, mas, demagogicamente, se diz zelar pelo bem de todos. Defender qualquer postura diferente da hegemônica que pode ser, simplesmente, republicana (ou seja, da res pública, ou da coisa de todos) é motivo para que a produção de sentidos rotule-nos de qualquer coisa diferente daquilo que desejamos produzir, e vice-versa.
Cada vez mais distantes, cada vez menos pacientes, cada vez menos tolerantes, vamos moldando um mundo à nossa imagem e semelhança, excluindo aquilo que não for um espelho de nós mesmos, criando não um mundo amplo e plena, mas restrito e homogêneo, com os interesses próprios postos em um altar sagrado, como um ídolo e impedindo, desta forma, o movimento contínuo da vida. 
Não sei se fui claro, mas também pouco importa, pois cada um atribuirá o sentido que quiser a este texto!

sexta-feira, 31 de julho de 2015

A conta, por favor

Não vou partidarizar o debate político neste momento, embora seja óbvio que as posturas do atual e do ex-governador sejam diametralmente opostas.  Fizemos greve no Governo anterior, estamos na iminência de outra neste. A questão é mais profunda, a questão está entranhada nas terras do nosso estado, nas terras de nosso país. A questão é: quem vai pagar a conta de políticas públicas equivocadas, experimentais que, artisticamente, seriam válidas, mas, politicamente, são inviáveis? Quem vai pagar a conta que maus gestores fizeram? Quem vai pagar a conta que a corrupção nos cobra? Agora, não esqueçamos de incluir nesse rol de questões: quem vai pagar a conta da sonegação de impostos? quem vai pagar a conta das isenções fiscais injustas e desiguais? Nós, nós, os trabalhadores, vamos arcar com esses gastos. 
Então antes de pagá-la, vamos nos propor outra questão: temos de pagá-la? Não, não temos. Mas para isso precisamos entender coletivamente que esse parcelamento combo (pois vem com a ameça de agosto incluída - o Secretário Giovani Feltes disse que o próximo mês será pior, obviamente) afeta a todos (não, não sou economista, formulo minhas análises empíricas, se alguém quiser colaborar...). O funcionário que deixa de receber, deixa de gastar na iniciativa privada, pois precisa economizar para pagar o Estado, assim sendo o dinheiro circula menos, o desemprego cresce e a crise aumenta. Poderiam pensar os mais simplistas: "Privatiza! Privatiza!" Mas uma empresa privada não gastaria um dinheiro tão alto numa máquina que não pudesse se recuperar. Ah, há, portanto,  possibilidade de recuperação do serviço público, que pode ter qualidade e chegar a todos, inclusive, onde a iniciativa privada não chega.
Porém, para não pagarmos essa conta e podermos dividir o saldo entre todos, não podemos ficar esperando de pernas cruzadas, mão atadas e boca fechada. Unidos, tentando manter a ideia, talvez abstrata, de categoria, sem cisões partidárias, sem interesses pessoais - esses são mais alguns obstáculos que deverão ser enfrentados - possamos caminhar atrás da utopia à Galeano. E, quiçá, assim consigamos nos orgulhar que o gaúcho é um povo guerreiro de verdade, porque luta em nome de todos! 

domingo, 5 de julho de 2015

Prazer, Brique da Vila Belga

Foi tão bom conhecer você hoje. Mas antes gostaria de apresentar-me rapidamente. Me chamo Rodrigo, sou professor e natural de Santana do Livramento, mas vivo em Santa Maria há onze anos  e, nesses anos todos, conheci muita gente aqui, conheci muitas coisas aqui, mas hoje tive o imenso prazer de conhecer o Brique da Vila Belga, que, mais que um brique, mais que uma aliteração, é vida nesta Santa Maria
Ir descendo a Rio Branco, sempre tão vazia e triste aos domingos, e enxergar aquelas cabeças pululando, num vaivém de pessoas que habitam a cidade e ganham as ruas, as ruas de todos nós; ver juntas diferentes manifestações sociais e artísticas: solos de blues, vendedores de vinis, capoeiristas, roqueiros, filósofos, uma editora cartonera local; andar em um lugar que nos liga de maneira simbólica a tantas outras feiras do estilo, espalhadas pela América Latina; e, acima de tudo, ver os amigos; amigos que não vemos há tempos, amigos que vemos todos os dias, mas, sobretudo, amigos; parar e conversar com tanta gente querida e interessante, conhecida em diversos momentos da vida, faz com que nesse tempo vários tempos convirjam para o mesmo espaço; espaço abarrotado de vida, de sorrisos, de cor, de alma, de cheiros, de som, de gostos. É muito bom ver o lugar que escolhemos para ser nosso, isto é, a cidade da gente tão cheia de gente. 

(FOTO: A foto foi retirada da página do Brique da Vila Belga no Facebook) 

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Não foi um confronto

Com meus alunos, vemos como as palavras têm poder, que elas nunca são simplesmente um signo linguístico objetivo, frio e insosso. As palavras reverberam, produzem sentidos, provocam emoções e forjam identidades. Começo assim, pois acredito que falar sobre o que aconteceu com meus colegas do PR esta semana como CONFRONTO entre professores e policiais é criminoso. Professores e policiais são servidores estaduais com salários baixos e condições precárias de trabalho, que, ao longo dos anos, veem suas imagens denegridas socialmente. 
O que aconteceu esta semana foi a economia solapando o ser humano, como acontece todos os dias em níveis, nem sempre, menos brutais. A demanda econômica obriga a mexer com quem tem menos poder econômico, logo a previdência dos professores e, para assegurar a vitória da economia, utilizam-se os colegas que têm o mesmo nível econômico, ou seja, os policiais. Assim, parece que este é o cerne, mas, enquanto isso, vota-se, numa democrática sessão, na qual os interessados são impedidos de assistir, o futuro previdenciário do magistério. 
Só isso já seria terrível, entretanto ações geram reações numa cadeia ininterrupta: a selvageria no PR não é amplamente difundida pela imprensa tradicional, TV, jornais, rádio; as redes sociais começam, estranhamente, a ter erros em seus sistemas para matérias cujo teor é barbárie paranaense e, não obstante, uma importante revista de circulação nacional achincalha o magistério, criando uma nova identidade para os professores.
Concordo com a revista (e cito revista, pois a matéria não foi assinada) no que diz respeito aos salários. Talvez um professor, que ganhe mais hoje, não modifique seu modo de dar aula no ato e nem todos os problemas de educação sejam resolvidos com um reajuste salarial. Contudo, tenho a plena convicção que, a longo prazo, essa é a saída. Melhor remuneração, menos tempo frente a alunos, mais tempo para estudo e preparo de boas aulas, com novas dinâmicas e concepções sobre a sociedade, os jovens e a própria educação. Sabemos dos problemas na educação, mas também sabemos o quanto podemos melhorar, e como, nós, professores queremos isso não para dar uma resposta à sociedade, mas para transformá-la em um lugar mais humano, no qual nunca alguém vincularia dinheiro à barbárie física e psicológica a que assistimos há poucos dias! 

(Imagem: Giuliano Gomes/Estadão Conteúdo)

domingo, 15 de março de 2015

Deixo-lhes o meu silêncio

Quando a política partidária toma conta de tudo, tudo se torna um ato político, inclusive, não querer falar sobre política. Que assim o digam os manifestantes que nunca saíram das ruas, que lá estão clamando por uma reforma política, por um preço justo das passagens de ônibus, pelo respeito e criação de leis que reconheçam negros, gays, lésbicas como seres humanos de verdade, o pessoal que batalha pela reforma agrária ou pelo direito à moradia. Mas é sério, não quero falar sobre isso.
Hoje, quero ser egoísta, quero falar sobre amenidades, quero falar sobre coisas simples como a beleza de um poema, que nos causa uma emoção a ponto de nos perturbar enquanto o lemos; quero falar sobre o abraço apertado no momento mais triste do dia, aquele abraço que faz uma lágrima correr no canto do olho; quero falar sobre o elogio gratuito, sem interesse, que surge na hora em que o dia está mais abafado a ponto de pesar na nossa alma e fazer a tristeza parecer inevitável; quero falar daquele ato sem importância, do convite inesperado para alguma coisa que queríamos muito; quero falar, por falar, para alguém que ouvisse antes de responder; quero falar sobre aquele beijo gostoso e sincero que acelera o coração. Ou seja, em um momento em que as questões objetivas e todo o materialismo toma conta, quero falar de subjetividade, quero falar de sentir, mas não vou falar de nada, pois falar do momento histórico desperta ódio - isso é sentimento -, e falar de sentimento é eximir-se da História - questões materiais. Por isso, deixo-lhes este meu silêncio. 

sábado, 22 de março de 2014

Odiopatia

Me deixam desconfortável algumas manifestações que venho vendo ultimamente nas redes sociais, na mídia, nas ruas. Começa a subir de tom o murmúrio de "vivemos numa baderna", "bandido bom é bandido morto", "na época do governo militar não tinha tanta violência", "precisamos salvar a democracia destes comunistas". Análises que, eufemisticamente, são superficiais. Esquece-se de toda estrutura, subjacente aos fatos. A violência institucionalizada, a censura, a busca frenética pela manutenção do poder são ignoradas quando se reivindica uma sociedade do ódio. Ódio contra tudo aquilo que é diferente dos donos da História. Ódio contra todos que despertam sua consciência e exigem seu lugar no mundo. Ódio contra todos aqueles que decidem fazer de forma diferente o seu caminho. Ódio contra gays, negros, índios, mulheres; o homem branco civilizado tomando conta de todos com seu umbigo gigante sufocando a MAIORIA. Todos os nossos problemas têm a mesma origem.

Refuto, veementemente, o ódio! 

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Greve e esquizofrenia

           O meu desânimo não vem de olhar ao redor e ver colegas e alunos na rua, mas da esquizofrenia existente em sujeitos que, há bem pouco tempo, estavam do nosso lado e agora nos olham como inimigos, manipulam discursos, mascarando números do movimento, e são categóricos nas suas negações e ameaças.
            O Secretário de Educação do RS, que fazia parte do comando de greve de 1987, quando esta se alastrou por 90 dias, hoje afirma a impossibilidade de pagamento do salário que é não só LEGÍTIMO, mas LEGAL aos seus colegas professores. Contudo, não há dinheiro para o piso, e isso é verdade, pois, pagando o piso, faltaria para CCs, para a dívida pública, que deveria ser negociada pela união, já que o piso é lei federal, para os deputados e seus auxílios...
           Não falemos de coisas materiais, deixemos o salário de lado, observemos outras faces que estão em pauta. A esquizofrenia se mantém. Vemos, diariamente, por parte dos que são colegas, mas estão governo, afirmações sobre a reforma no Ensino Médio que não condizem com as observações de quem está, na prática, envolvido com a educação, ou seja, alunos e professores. As ideias da reforma do Ensino Médio, à exceção de algumas, são boas, mas estruturalmente impossíveis, pedagogicamente inviáveis e humanamente cruéis. Com a quantidade de alunos que temos, a falta de infraestrutura, a elevada carga horária e a burocracia que essa reforma demanda, ficaremos sempre preenchendo papéis, escrevendo relatórios e não conseguiremos jamais nos envolver com as aulas. Repito: muitas ideias são boas, mas não se encaixam com os recursos financeiros, humanos e físicos que temos, além disso há algumas "confusões" teóricas que a proposta apresenta.
           O interessante seria uma reforma verdadeira e viável, feita por professores de SALA DE AULA, não de gabinete, e alunos. A educação deveria ser um programa de Estado e não de governo, mas quem quer isso? Quem quer um povo crítico e consciente de seu poder? Quem quer um ser humano que perceba a felicidade em coisas espirituais e não materiais? Quem quer? EU QUERO! Por isso, do meu desânimo com a esquizofrenia farei força! Eu não posso me omitir, pois me omitindo eu perco a minha razão de ser, minha razão de ser PROFESSOR!

sábado, 24 de agosto de 2013

Penumbra

            A luz fraca, ou melhor, a penumbra opaca, que entrava na sala, era capaz de ofuscar as janelas do meu corpo. Meus olhos, cansados, a meia altura corroboravam a minha existência. Estava cansado de estar sentado, com a vida passando, sem passar por ela.
          Me sentia como um boi, percorrendo um caminho marcado direto para o matadouro, simplesmente andando, sem saber por quê. Não queria isso, caminhar, a esmo, direto para o fim certo e doloroso de todos.
        Queria me virar, enfurecido, contra a manada. Queria ser o estouro, queria ser o fogo. Queria percorrer a trilha inversa, fazer o caminho mais longo e sinuoso. A cada passo, deixar uma pegada indelével, criando pistas para os que quisessem me encontrar. Não queria o silêncio, antes o barulho, a algazarra, o sorriso largo e sincero.

        A sombra diminuía, eu também. 

domingo, 14 de abril de 2013

Maioridade penal


             
                  Há tempos não visito este espaço, mas a ânsia de falar sobre isto me obrigou. Vejo, sempre depois de um crime contra alguém das classes média ou alta, vir à tona a discussão sobre a maioridade penal, mas não consigo entender tal proposta. Ideias de reclusão apenas afastam as mazelas do nosso campo de visão, mas não põem um ponto final, nem sequer, na verdade, uma vírgula.
            Obnubilados que estamos, deixamos de perceber a relação existente entre fatos isolados e o todo ao qual pertencem. Temos um sistema prisional agonizante, péssimas condições de vida no cárcere e nenhuma tratativa de recuperação dos recluídos. Diminuir a maioridade penal é fazer jorrar jovens, aos borbotões, dentro de presídios adolescentes, tirá-los da nossa vista por um tempo e esperá-los pós-graduados no submundo.
            Poderíamos pensar que o investimento financeiro necessário é em educação. Uma educação que nos ensine a pensar, uma educação que nos lembre do pequeno fato, esquecido por muitos, de que somos seres humanos e, portanto, racionais e EMOCIONAIS, concomitantemente, sem a sobreposição de um elemento sobre o outro. Uma educação que nos aponte o lado ético da existência e nos faça ficar chocados com a troca de uma vida por um celular, ou de seis vidas por R$ 870, impedindo-nos, assim, de cometer tais atos não por uma questão de vigia e punição, mas pela consciência. Obviamente, é mais fácil recluir jovens de 16 anos do que revisar nossos (desde o mero cidadão até a máquina do Estado) atos, para percebermos que todos somos culpados, pois mostramos quem somos pela ação, não pelo discurso. 

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Facebook


O Facebook é uma rede social democrática, para os que podem usufruir dele (como toda a democracia em nossa sociedade). Isto é, precisa-se ter acesso à internet, um computador ou dinheiro para se gastar com isso em uma lan house, e tempo para acessá-lo. A questão é que essa rede social lida com a heterogeneidade e aproxima polos muito divergentes.
            A maioria das pessoas tem, na vida empírica, alguns amigos e muitos conhecidos, colegas, ex-colegas, vizinhos, primos do tio da vizinha da namorada de um amigo, ou seja, pessoas que conhecemos, mas nem sempre temos afinidades. E por não termos afinidades, decidimos não frequentar a casa de uns, conviver mais com outros: selecionar, dentro desse grande contingente de pessoas, os que queremos mais próximos de nós.
            Entretanto, o Facebook joga essa heterogeneidade em nossa cara. Convivemos, virtualmente, com religiosos fervorosos e ateus convictos; defensores dos animais e perversos que se alegram com o sofrimento destes; existem os intelectuais, os marxistas, os fúteis, os baladeiros, uma infinidade de tipos. Acontece que, ultimamente, venho notando uma atitude estranha nas redes sociais – além da atitude comum de todo mundo ser politizado no universo virtual – que é a intolerância.
            Fala-se em politicamente correto, em acessibilidade, em inclusão, em respeito pelo outro, mas quando nos deparamos com opiniões, visões de mundo e valores diferentes dos nossos, excluímos pessoas, bloqueamos, isto é, fazemos desaparecer da frente dos nossos olhos o que é diferente e nos incomoda, embora saibamos que segue existindo. Talvez, seja muito taxativo, mas não vejo outra palavra para essa atitude que não a de fascismo virtual.
            Sim, apago o que é diferente, com o que não estou de acordo, o que me é incômodo. Porém, essa atitude, no mundo virtual, deixa perceber alguns valores que a pessoa carrega. Tendo o poder de fazer desaparecer aquilo com o que não quer conviver, não hesita em fazê-lo. Confesso que tenho receio de atitudes assim.