domingo, 15 de março de 2015

Deixo-lhes o meu silêncio

Quando a política partidária toma conta de tudo, tudo se torna um ato político, inclusive, não querer falar sobre política. Que assim o digam os manifestantes que nunca saíram das ruas, que lá estão clamando por uma reforma política, por um preço justo das passagens de ônibus, pelo respeito e criação de leis que reconheçam negros, gays, lésbicas como seres humanos de verdade, o pessoal que batalha pela reforma agrária ou pelo direito à moradia. Mas é sério, não quero falar sobre isso.
Hoje, quero ser egoísta, quero falar sobre amenidades, quero falar sobre coisas simples como a beleza de um poema, que nos causa uma emoção a ponto de nos perturbar enquanto o lemos; quero falar sobre o abraço apertado no momento mais triste do dia, aquele abraço que faz uma lágrima correr no canto do olho; quero falar sobre o elogio gratuito, sem interesse, que surge na hora em que o dia está mais abafado a ponto de pesar na nossa alma e fazer a tristeza parecer inevitável; quero falar daquele ato sem importância, do convite inesperado para alguma coisa que queríamos muito; quero falar, por falar, para alguém que ouvisse antes de responder; quero falar sobre aquele beijo gostoso e sincero que acelera o coração. Ou seja, em um momento em que as questões objetivas e todo o materialismo toma conta, quero falar de subjetividade, quero falar de sentir, mas não vou falar de nada, pois falar do momento histórico desperta ódio - isso é sentimento -, e falar de sentimento é eximir-se da História - questões materiais. Por isso, deixo-lhes este meu silêncio.