domingo, 15 de março de 2015

Deixo-lhes o meu silêncio

Quando a política partidária toma conta de tudo, tudo se torna um ato político, inclusive, não querer falar sobre política. Que assim o digam os manifestantes que nunca saíram das ruas, que lá estão clamando por uma reforma política, por um preço justo das passagens de ônibus, pelo respeito e criação de leis que reconheçam negros, gays, lésbicas como seres humanos de verdade, o pessoal que batalha pela reforma agrária ou pelo direito à moradia. Mas é sério, não quero falar sobre isso.
Hoje, quero ser egoísta, quero falar sobre amenidades, quero falar sobre coisas simples como a beleza de um poema, que nos causa uma emoção a ponto de nos perturbar enquanto o lemos; quero falar sobre o abraço apertado no momento mais triste do dia, aquele abraço que faz uma lágrima correr no canto do olho; quero falar sobre o elogio gratuito, sem interesse, que surge na hora em que o dia está mais abafado a ponto de pesar na nossa alma e fazer a tristeza parecer inevitável; quero falar daquele ato sem importância, do convite inesperado para alguma coisa que queríamos muito; quero falar, por falar, para alguém que ouvisse antes de responder; quero falar sobre aquele beijo gostoso e sincero que acelera o coração. Ou seja, em um momento em que as questões objetivas e todo o materialismo toma conta, quero falar de subjetividade, quero falar de sentir, mas não vou falar de nada, pois falar do momento histórico desperta ódio - isso é sentimento -, e falar de sentimento é eximir-se da História - questões materiais. Por isso, deixo-lhes este meu silêncio. 

sábado, 22 de março de 2014

Odiopatia

Me deixam desconfortável algumas manifestações que venho vendo ultimamente nas redes sociais, na mídia, nas ruas. Começa a subir de tom o murmúrio de "vivemos numa baderna", "bandido bom é bandido morto", "na época do governo militar não tinha tanta violência", "precisamos salvar a democracia destes comunistas". Análises que, eufemisticamente, são superficiais. Esquece-se de toda estrutura, subjacente aos fatos. A violência institucionalizada, a censura, a busca frenética pela manutenção do poder são ignoradas quando se reivindica uma sociedade do ódio. Ódio contra tudo aquilo que é diferente dos donos da História. Ódio contra todos que despertam sua consciência e exigem seu lugar no mundo. Ódio contra todos aqueles que decidem fazer de forma diferente o seu caminho. Ódio contra gays, negros, índios, mulheres; o homem branco civilizado tomando conta de todos com seu umbigo gigante sufocando a MAIORIA. Todos os nossos problemas têm a mesma origem.

Refuto, veementemente, o ódio! 

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Greve e esquizofrenia

           O meu desânimo não vem de olhar ao redor e ver colegas e alunos na rua, mas da esquizofrenia existente em sujeitos que, há bem pouco tempo, estavam do nosso lado e agora nos olham como inimigos, manipulam discursos, mascarando números do movimento, e são categóricos nas suas negações e ameaças.
            O Secretário de Educação do RS, que fazia parte do comando de greve de 1987, quando esta se alastrou por 90 dias, hoje afirma a impossibilidade de pagamento do salário que é não só LEGÍTIMO, mas LEGAL aos seus colegas professores. Contudo, não há dinheiro para o piso, e isso é verdade, pois, pagando o piso, faltaria para CCs, para a dívida pública, que deveria ser negociada pela união, já que o piso é lei federal, para os deputados e seus auxílios...
           Não falemos de coisas materiais, deixemos o salário de lado, observemos outras faces que estão em pauta. A esquizofrenia se mantém. Vemos, diariamente, por parte dos que são colegas, mas estão governo, afirmações sobre a reforma no Ensino Médio que não condizem com as observações de quem está, na prática, envolvido com a educação, ou seja, alunos e professores. As ideias da reforma do Ensino Médio, à exceção de algumas, são boas, mas estruturalmente impossíveis, pedagogicamente inviáveis e humanamente cruéis. Com a quantidade de alunos que temos, a falta de infraestrutura, a elevada carga horária e a burocracia que essa reforma demanda, ficaremos sempre preenchendo papéis, escrevendo relatórios e não conseguiremos jamais nos envolver com as aulas. Repito: muitas ideias são boas, mas não se encaixam com os recursos financeiros, humanos e físicos que temos, além disso há algumas "confusões" teóricas que a proposta apresenta.
           O interessante seria uma reforma verdadeira e viável, feita por professores de SALA DE AULA, não de gabinete, e alunos. A educação deveria ser um programa de Estado e não de governo, mas quem quer isso? Quem quer um povo crítico e consciente de seu poder? Quem quer um ser humano que perceba a felicidade em coisas espirituais e não materiais? Quem quer? EU QUERO! Por isso, do meu desânimo com a esquizofrenia farei força! Eu não posso me omitir, pois me omitindo eu perco a minha razão de ser, minha razão de ser PROFESSOR!

sábado, 24 de agosto de 2013

Penumbra

            A luz fraca, ou melhor, a penumbra opaca, que entrava na sala, era capaz de ofuscar as janelas do meu corpo. Meus olhos, cansados, a meia altura corroboravam a minha existência. Estava cansado de estar sentado, com a vida passando, sem passar por ela.
          Me sentia como um boi, percorrendo um caminho marcado direto para o matadouro, simplesmente andando, sem saber por quê. Não queria isso, caminhar, a esmo, direto para o fim certo e doloroso de todos.
        Queria me virar, enfurecido, contra a manada. Queria ser o estouro, queria ser o fogo. Queria percorrer a trilha inversa, fazer o caminho mais longo e sinuoso. A cada passo, deixar uma pegada indelével, criando pistas para os que quisessem me encontrar. Não queria o silêncio, antes o barulho, a algazarra, o sorriso largo e sincero.

        A sombra diminuía, eu também. 

domingo, 14 de abril de 2013

Maioridade penal


             
                  Há tempos não visito este espaço, mas a ânsia de falar sobre isto me obrigou. Vejo, sempre depois de um crime contra alguém das classes média ou alta, vir à tona a discussão sobre a maioridade penal, mas não consigo entender tal proposta. Ideias de reclusão apenas afastam as mazelas do nosso campo de visão, mas não põem um ponto final, nem sequer, na verdade, uma vírgula.
            Obnubilados que estamos, deixamos de perceber a relação existente entre fatos isolados e o todo ao qual pertencem. Temos um sistema prisional agonizante, péssimas condições de vida no cárcere e nenhuma tratativa de recuperação dos recluídos. Diminuir a maioridade penal é fazer jorrar jovens, aos borbotões, dentro de presídios adolescentes, tirá-los da nossa vista por um tempo e esperá-los pós-graduados no submundo.
            Poderíamos pensar que o investimento financeiro necessário é em educação. Uma educação que nos ensine a pensar, uma educação que nos lembre do pequeno fato, esquecido por muitos, de que somos seres humanos e, portanto, racionais e EMOCIONAIS, concomitantemente, sem a sobreposição de um elemento sobre o outro. Uma educação que nos aponte o lado ético da existência e nos faça ficar chocados com a troca de uma vida por um celular, ou de seis vidas por R$ 870, impedindo-nos, assim, de cometer tais atos não por uma questão de vigia e punição, mas pela consciência. Obviamente, é mais fácil recluir jovens de 16 anos do que revisar nossos (desde o mero cidadão até a máquina do Estado) atos, para percebermos que todos somos culpados, pois mostramos quem somos pela ação, não pelo discurso. 

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Facebook


O Facebook é uma rede social democrática, para os que podem usufruir dele (como toda a democracia em nossa sociedade). Isto é, precisa-se ter acesso à internet, um computador ou dinheiro para se gastar com isso em uma lan house, e tempo para acessá-lo. A questão é que essa rede social lida com a heterogeneidade e aproxima polos muito divergentes.
            A maioria das pessoas tem, na vida empírica, alguns amigos e muitos conhecidos, colegas, ex-colegas, vizinhos, primos do tio da vizinha da namorada de um amigo, ou seja, pessoas que conhecemos, mas nem sempre temos afinidades. E por não termos afinidades, decidimos não frequentar a casa de uns, conviver mais com outros: selecionar, dentro desse grande contingente de pessoas, os que queremos mais próximos de nós.
            Entretanto, o Facebook joga essa heterogeneidade em nossa cara. Convivemos, virtualmente, com religiosos fervorosos e ateus convictos; defensores dos animais e perversos que se alegram com o sofrimento destes; existem os intelectuais, os marxistas, os fúteis, os baladeiros, uma infinidade de tipos. Acontece que, ultimamente, venho notando uma atitude estranha nas redes sociais – além da atitude comum de todo mundo ser politizado no universo virtual – que é a intolerância.
            Fala-se em politicamente correto, em acessibilidade, em inclusão, em respeito pelo outro, mas quando nos deparamos com opiniões, visões de mundo e valores diferentes dos nossos, excluímos pessoas, bloqueamos, isto é, fazemos desaparecer da frente dos nossos olhos o que é diferente e nos incomoda, embora saibamos que segue existindo. Talvez, seja muito taxativo, mas não vejo outra palavra para essa atitude que não a de fascismo virtual.
            Sim, apago o que é diferente, com o que não estou de acordo, o que me é incômodo. Porém, essa atitude, no mundo virtual, deixa perceber alguns valores que a pessoa carrega. Tendo o poder de fazer desaparecer aquilo com o que não quer conviver, não hesita em fazê-lo. Confesso que tenho receio de atitudes assim.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Os royalties da contradição


Começo com um esclarecimento: não sou sociólogo, não sou cientista político. Este texto faz parte do senso comum, com ideias recolhidas na observação.
Os royalties da exploração do pré-sal serão divididos por todas as unidades da federação e não apenas pelos estados exploradores. Acho isso justo, mas a aqui no Rio Grande do Sul, a comemoração desse fato é extremamente contraditória.
A Revolução Farroupilha, que forjou nossa identidade de gaúcho, sendo compartilhada por todos os rio-grandenses, de diversas etnias que nada têm a ver com os gaúchos em si, foi uma luta em nome da injustiça. A injustiça de pagar muitos impostos para sustentar as partes menos desenvolvidas do país, ou, como já ouvi dizer, trabalhávamos para manter nordestinos. Aparte o preconceito carregado nessa frase, podemos pensar algumas coisas. Não eram os trabalhadores, esfarrapados, que trabalhavam na quase escravidão, os negros; e na escravidão, os brancos, que pagavam os impostos, eram os grandes proprietários de terra. Logo, os interesses contrariados eram da elite gaúcha em um país, em um tempo, que a agropecuária era uma das principais fontes de renda.
Agora, terão os fluminenses e os catarinenses, por exemplo, o direito de dizer que não querem dividir seu dinheiro com os gaúchos atrasados, ainda vivendo da agropecuária extensiva na era do agronegócio? Creio que uma injustiça não justifica outra. Mas o que cria a tensão nessa contradição é que a causa imediata da Revolução Farroupilha valia em 1835 e não vale em 2012, desfazendo a aura épica que essa revolução apresenta. Assim, como defesa dos interesses de poucos, a Revolução Farroupilha, como os royalties do pré-sal nos permitem ver 150 anos depois, não difere muito do golpe de 64, a não ser que a revolução não atingiu seu objetivo.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Musa

"Canta, ó musa, do Peleio Aquiles
A ira tenaz, que, lutuosa, aos Gregos,"
Assim começa a Ilíada, poema épico de Homero. A musa não inspira, canta através da boca do aedo. Contudo, essas divindades passaram a relacionar-se com a inspiração. Ou seja, é algo de fora do sujeito que o enche de entusiasmo (palavra que, como nos explica Eduardo Galeano, significa estar com os deuses dentro de nós). Assim, a deusa exterior nos completa de deuses dentro. 
Mas o que é essa inspiração? Bem, um momento, uma paisagem, uma pessoa podem nos inspirar. Digamos que seja uma pessoa a fonte de nossa inspiração. Uma pessoa que chega e nos faz sentir bem; pega-nos de chofre e nos enche de entusiasmo. 
O que faz esse entusiasmo? Nada, aparentemente. O sol segue nascendo, a lua aparece, as casas ficam no mesmo lugar, ninguém deixa de nascer ou de morrer. Porém, nossos olhos mudam. A pessoa inspirada pela musa é capaz de olhar cada trivialidade, cada cotidianidade, de maneira diferente. É capaz de dar cor ao que é cinza, de dar vida ao inerte, de dar alegria à tristeza. 
Então, "Canta, ó musa, o que quiseres cantar, mas canta para mim."

quarta-feira, 7 de março de 2012

Mulher



Mulher, deixaste de ser uma companheira. Sim, deixaste. Agora, és a quem busca o companheiro. Buscas um companheiro que não te critique por não entender-te, mas que procure fazê-lo com afinco. Pediste igualdade, mas não precisavas rebaixar-te à simplicidade do homem, és muito melhor do que isso. Nas épocas, em que nada é certo, tudo nos escapa num piscar de olhos, és muito mulher. Não ficas em casa, costurando de dia e desfazendo o trabalho à noite a espera do teu homem. Sais e encontras o que desejas. Claro, mulher, os que perdem seu posto sentem-se incomodados, são tomados de inveja. Mas não ligues, mulher, para essas machistas do século XIX, tão arcaicos quanto seria dar manivela no telefone e não deixes que bundas e peitos substituam tua representação tão incrível. Sabes que és melhor e não precisas te importar com isso. Embora não tenha muita importância, saibas que tens minha admiração. 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Mundo ao contrário


        Ontem assistindo a uma reportagem, descobri que a Espanha apresenta um dos maiores índices de desemprego da União Europeia, sendo um país de emigração http://migre.me/7MyQy . É sabido que, nos últimos anos, a Espanha colocou diversas barreiras para imigrantes que lá chegavam. Obviamente deviam proteger-se, estavam resguardando-se. Contudo, imaginem o mundo de “Patas arriba”, como o título de Galeano, e os espanhóis aportando à América novamente, mas desta vez na condição de sujeitado. Haveria sentimento de vingança, merecimento ou bajulação? Fiquemos com a primeira opção, apenas para brincar de faz-de-conta.
            Imaginem se:
            O indígena peruano for promovido a gerente, pois um espanhol agora é o limpador de banheiros, embora seja engenheiro.
            O gaucho uruguaio seja capataz da fazenda, porque há um espanhol como peão, embora veterinário.
            O guarani paraguaio seja gerente da loja, pois o camelô, pós-graduado em administração e economia, é espanhol.
            O asteca mexicano efetivado diretor da escola, porque o servente espanhol, pedagogo de formação, não é capaz de entender a cultura americana.
            Faz de conta, só faz de conta.