sábado, 15 de agosto de 2009

Coração

Com preguiça de pesquisar o sentido de um assunto, venho aqui afim de que alguém me responda o porquê de uma questão cuja origem desconheço. Por qual motivo foi eleito o coração o símbolo do amor e dos sentimentos? Poderia haver sido qualquer órgão a ser eleito como alegoria máxima dos afetos que há tanto perdura, mas não. É o coração o símbolo do amor. Imaginemos uma outra parte de nosso corpo no lugar desse símbolo. Os rins, por exemplo. O amor viveria em dose dupla para a maioria (eu possuo apenas um, logo não amaria com tanto fervor).
Se pensarmos na antigüidade clássica, observaremos que o amor está associado à dor, ao sofrimento, portanto o campo semântico que o rodeia é do inimizade, do desespero. As pessoas referiam-se ao seus amados como inimigos. Dido referindo-se a Enéas na “Eneida”, de Virgilio, por exemplo. Já na Idade Média e na Renascença não se perdem, totalmente, esses sentidos, contudo, incorpora-se a conotação que o coração é um castelo rodeado de muralhas que deve ser conquistado, daí o termo conquista, significante bélico, relacionado ao amor. Algum tempo atrás o amor passou a ser correlato de companheirismo, fidelidade, amizade. Entretanto, observamos que sempre foi relacionado ao coração. Como se um órgão fizesse desabrochar um sentimento e sustentasse-o, sem imiscuir outra gama de fatores envolvidos no inexplicável mundo dos sentimentos.
A partir dessa idéia, notamos que o amor, como as demais sensações e sentimentos, é uma construção social. Talvez, não a forma como o sintamos, senão as suas exigências e expectativas. Esperamos, queremos e oferecemos uma porção de ações e comportamentos impensados para os nossos ancestrais, cujas ações de prova de amor deveriam mostrar muito mais coragem, decisão, determinação, independente da doação ao companheiro. E, atualmente, o amor passou a ser algo tão egoísta como os seres de nossa sociedade.
A sociedade penetrou tanto em cada um de nós, conseguiu afastar-nos tanto em relação a trocas afetivas reais, através da globalização, que nos aproxima e afasta-nos, em movimentos simultâneos, que o único amor mais duradouro é o amor próprio. Não fazemos nada que possa prejudicar-nos um pouco em prol de um grande ganho coletivo, pois, qualquer coisa que nos afete é refutada imediatamente. Pensamos em nós, queremo-nos, amamo-nos, mas, apenas, a nós. O amor a outra pessoa chamado solidariedade, senso do coletivo, está, praticamente, em extinção. Todavia, é o coração o órgão do amor próprio, embora esse tipo de amor seja o mais racional possível, porque pondera prós e contras, põe tudo em uma balança e vê se é bom para si, se consegue levar vantagem, vale a pena. Em outros tempos isso não se fazia com o coração, pois este se associava a instinto, a impulsividade.
Mário de Andrade, em seu livro “Amar, verbo intransitivo”, disse muito, pois quem ama, ama. Porém, esse título pode ser revisto hoje sobre outro prisma, porque se as pessoas amam a si mesmas, obviamente, esse verbo pode ser intransitivo, pois não é necessário dizer a quem se ama. Mas quem segue amando é o coração, e presenciamos o fim do amor, conhecê-lo-emos pela história e pela literatura, quando os seres eram seres e amavam uns AOS OUTROS.

6 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, Rodruigo!!

Um dos melhores textos, ate agora escrito no blog, eu me orgulharia muito em tê-lo escrito.

Parabéns!!

Rodrigo Bentancurt disse...

Obrigado, Fyllos. São teus olhos.
Beijos

Unknown disse...

Muuuuito boa essa sua postagem!

Muuuuito bom o seu blog.

Permita-me visitá-lo frequentemente...

Um abraço,

Rosana.

Rodrigo Bentancurt disse...

Claro, Rosana. Fico muito feliz que tenhas gostado.
Não somente podes visitar este espaço, como deves comentá-lo quando o achares necessário. A discussão é o que se busca.

Paula Figueiredo disse...

Bem Rodrigo, eu sou uma eterna amante do amor e concordo que amar o amor não é amar. A gente acredita que o amor existe de um jeito... É o amor romântico. Êta ideal que faz sofrer!

Quando conheci meu marido tudo foi tão perfeito, era como se os meus sonhos de menina tivessem se realizado. E tinham. Mas como sempre, eu não sabia bem com que eu estava sonhando...

Tive dificuldade em aceitar o amor mesmo, o amor real, pois queria o amor romântico, o ideal do amor... Eu tava achando amar difícil, já que "fazia do amor um cálculo matemático errado, eu achava que somando as compreensões, eu amava. Não sabia que somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente (Clarice Lispector)".

Tive uma intuição antes de viajar pra fora do Brasil que este conceito de amor romântico precisava ser quebrado para que eu realmente experenciasse o amor. E se quebrou mesmo, quando vi que eu estava amando sem ação amorosa. Eu estava amando sem compaixão, sem solidariedade. Eu estava amando o amor que eu sentia, eu estava amando ser amada, eu estava amando sentir o êxtase de estar apaixonada. Eu não sabia nada sobre o amor. Eu ainda não tinha lido a Adélia Prado:
"Eu quero amor feinho. Amor feinho não olha um pro outro. Uma vez encontrado, é igual fé, não teologa mais. Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo e filhos tem os quantos haja. Tudo que não fala, faz. Planta beijo de três cores ao redor da casa e saudade roxa e branca, da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho. Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho."

Agora se isso tá focado no coração... acho q pega o corpo todo... mas acho que o símbolo do coração tem a ver com a expansão da energia do chacra do plexo solar (representa os instintos animais e compulsões) ao chacra do coração (está ligado diretamente à coroa e é o primeiro dos chacras superiores, representa a capacidade de razão).

Os exemplos que citou me fizeram lembrar da metáfora "Amor é guerra" e "Amor é um campo de batalha". Outra herança cultural a ser superada...

Amor é COMPAIXÃO... Buda, Jesus e outros mostraram isso... Só que a gente só pode aprender sentindo! A gente só aprende quando a gente dá conta de amar o nosso inimigo (ou será que direi parceiro?).

Amor ao outro só pode ocorrer quando já se tem amor próprio. Amor próprio não tem nada de sublime. Amor ao outro tem tudo.

Nívea Alves disse...

Teu post me deixou curiosa, resolvi pesquisar e vim compartilhar um trecho que achei interessante: "Segundo o anatomista Liberato Di Dio, responsável pela mais recente reformulação dos nomes dos órgãos do corpo humano, o coração assumiu um papel primordial entre as culturas por ser o único órgão que se pode ouvir e sentir pulsar." Faz sentido.. :)