terça-feira, 6 de outubro de 2009

Enunciador coletivo

O que é realmente nosso, no discurso, é um enigma. Sistematizamos, de modo geral, o que falamos, com mais afinco o que escrevemos, mas usamos a memória, ou melhor, o esquecimento como base para criarmos a necessária ilusão da originalidade. Sempre que enunciamos algo, temos presente o mito do Adão lingüístico, pois seria-nos impossível seguir as pistas e buscar o ponto de partida do que está em jogo na instância enunciativa.
Na era clássica, havia o preceito do bom, belo e verdadeiro como partes integrantes de um objeto no qual a ausência de uma das qualidades acarretaria a inexistência de todas. Assim o indivíduo ocupava uma posição de castas, fala como membro de um coletivo. A ascensão da burguesia e com ela o movimento romântico quebram essa estrutura e faz-se presente o conceito de originalidade. O bom, desde esse momento, não é mais o que segue os modelos com perfeição, senão o que cria algo novo. Porém, há algo realmente novo? Ou haverá, apenas, adaptações do que já está dado para formação de algo mudado? Eis uma questão que, à primeira vista, pode parecer menos importante, contudo se há, meras, modificações, por que se discute tanto a originalidade e a criação de novas formas?
É assaz difícil pensarmos algo, completamente, novo. Então, a partir das formas preexistentes, criamos algo diferenciado e isso é o único que podemos fazer. Ninguém se pergunta se o inventor do automóvel, por exemplo, teve uma divina inspiração e o trouxe à luz, ou se pensou que já existiam as carroças e os motores e era possível juntá-los, adicionando outros materiais e chegar a um objeto terceiro. Entretanto, nas artes e nas enunciações cotidianas temos a necessidade de esquecermo-nos do que já está em nossa mente e que reformulamos e afirmamos como nosso. Assim, isto não fui eu que escrevi, é compartilhado por todos e estava, em estado latente, em meu cérebro. Isto tudo é uma simples justificativa pelo uso, neste espaço, do pronome "nós", do qual este enunciador não se desvincula. Então, embora tenhamos o conceito de originalidade, ao que tudo indica, os enunciados jamais deixarão de ser coletivos, mesmo que seja um único sujeito que os formule para o enunciatário.

2 comentários:

MARCELLO disse...

GOSTEI DE SUA PUBLICAÇÃO, AJUDOU EM MEU TRABALHO DA FACULDADE!

Rodrigo disse...

Que bom, Marcello. Fico feliz.
Abraços