domingo, 23 de maio de 2010

Abismo

Jogar-se no abismo sem medo de que o machucado seja o passo posterior à vida é, sem dúvida, viver. Enfrentar os nossos medos e as nossas angústias, sabendo os riscos que corremos, faz com que vivamos. Diz-se, muito freqüentemente, neste espaço, que a vida é feita de escolhas e somos os seus resultados, então escolher entre não correr risco e também não viver tudo o que esses riscos podem nos proporcionar e corrê-los sem sermos, também, temerários, fico com o segundo.
O tão citado neste blog, Fernando Pessoa, já disse “navegar é preciso, viver não é preciso”. A vida não é matemática, não tem tudo em seu lugar para se chegar a um resultado exato, senão história, filosofia, literatura. É imprevisível e cheia de nuanças, mistérios, dores e alegrias. Agora não podemos pensar que a vida é fácil. Toda dor é um prelúdio da alegria e vice-versa, pois felicidade e tristeza são momentos, e a distância entre uma e outra dá o tom de cada uma delas.
Arriscar-se a sofrer, no futuro, é gozar o presente, é saber que os medos e angústias estão em estado latente, mas aí devem ficar. Ser precavido em demasia é empecilho à vida, ao prazer, à felicidade. Obviamente, que arriscar-se sem limites vai gerar sofrimento também, porque perdemos as rédeas da situação. Talvez, o ideal não seja o meio-termo, mas um pequeno pendor na balança para o lado da temeridade. Assim sofrer por ter-se arriscado é sofrer por tentar viver, e não por deixar a vida passar pela nossa frente. Então, pulemos do abismo!

terça-feira, 11 de maio de 2010

Gotas

Não entendo as gotas. Obviamente, há tipos distintos delas: umas pingam, outras caem. As que pingam são de menor grandeza e sedução, pois fazem seu caminho pelos canos. As que caem são lindas, únicas, individuais, mas, ao tocar o solo, unem-se, formando um todo indivisível cuja função é rolar, descer, unir-se ainda mais.
As gotas escorrem, limpam as ruas da sujeira superficial, arrastando-a consigo, depositam-na em locais inapropriados e fazem crescer a superfície de água. Outras gotas ficam penduradas nas árvores, nas janelas, nas marquises e vão se soltando devagar, alongando-se, ficando presas por tênues espelhos líquidos quase imperceptíveis.
A melhor sensação é das gotas que vêm com tremenda força e, no momento do choque com o asfalto, geram mais uma quantidade considerável de gotas, cujo sentido é contrário das que descem, e logo após acabam tocando o solo novamente e aliando-se a todo aquele conjunto de gotas sem identidade específica, observadas como, simplesmente, água.
A chuva nada mais é do que um fenômeno climático, mas as gotas têm vida própria. São individuais até o momento de serem cooptadas pela imensidão delas, tornando-se um líquido uno, assim como a multidão das pessoas nas cidades: sem identidade, sem vontade, sem porquê, apenas, sendo!

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Crise

Não sei como funciona este ciclo: se nossa apatia e falta de conhecimento gera este lixo cultural ou se, ao nos empurrarem esse lixo cultural, fazem-nos seres apáticos e sem conhecimento. Refiro-me, especificamente, não à crise das humanidades, mas à inércia cultural dos alunos de cursos das humanas no Brasil.
Entramos no curso, buscamos nosso diploma e não fazemos nada, nem, ao menos, olhamos para o lado a fim de saber o que acontece ao nosso redor. Saímos muito pior do que entramos, pois somos formados em algo para que não temos proficiência. A partir disso, cria-se um ciclo mais terrível ainda. Não temos proficiência, mas somos formadores de opinião. Formaremos pessoas menos capacitadas que sairão menos proficientes que nós e formarão pessoas menos capacitadas ainda e assim ad infinitum.
Há o problema de, muitos anos atrás, haver-se popularizado o ensino médio sem o investimento necessário na base. Esses alunos (nós) mal formados entraram na faculdade, pois esta se está popularizando, como aconteceu com o médio no passado, sem a menor condição de encará-la. Fato que, muito em breve, estender-se-á aos programas de pós-graduação, ou seja, estamos perdidos.
Obviamente, que o parágrafo anterior não aborda nenhum estudo sociológico e também não pretende dar conta da totalidade do fracasso dos alunos dos cursos das humanas, pois nem se falou na pós-modernidade, no estado atual de nossa sociedade que não permite a “perda de tempo” com reflexões nem com o conhecimento da tradição. Porém, devemos nos lembrar que a exigência de um diploma e a relativa facilidade de ingresso nas carreiras das humanas fazem-nas alvo fácil de caçadores de canudos cuja aptidão está a quilômetros desses cursos.
Se não nos acordarmos, seguiremos descendo o poço, e o que a arte, a filosofia e a história mostraram de nossa época será a representação de homens máquina, ou melhor, de homens virtuais. Seres movidos a comandos e cliques de mouses sem, sequer, pensarem o porquê de fazerem o que fazem.