Somos seres de crenças. Sim, cremos em deuses ou cremos que eles não existem, cremos nas pessoas ou que nelas não podemos crer e, principalmente, cremos em nós mesmos, no que somos, no que gostamos, no que planejamos e no que vivemos. No entanto, as crenças são sentimentos tidos como verdades e estas são construções, que podem mudar de uma hora a outra, fazendo implodir todo o edifício de crenças que tínhamos como imutáveis, pois esta é outra característica das crenças, tê-las como eternas, para que erijamos todo um novo sistema.
Tudo em que acreditamos e tomamos como verdades é para ser eterno. Não pensamos ou refutamos a idéia de que nossas convicções sejam cambiáveis, portanto, muitas vezes, temos posturas, extramente, radicais acerca de fatos, sentimentos, vontades, desejos. Contudo, não serão, muitas vezes, nossos desejos algo cuja existência foi dada, extemporaneamente, e temo-lo como um princípio, mas na verdade não existe nada que o prenda a existência? Isto é, será que nossos sentimentos existem por algo que brota e cresce ou aconteceu em um determinado momento e nós, inconscientemente, vamos construindo uma narrativa encima disso e existe por apenas esse motivo? Isso, obviamente se estende aos gostos, aos planos e, o mais incrível, ao passado.
O passado é, sobretudo, uma construção do presente acerca do que já aconteceu e está guardado em algum recanto da memória. O passado, se é cômico, fazemo-lo cômico ao extremo, se é sério, deixamo-lo grave e, se é trágico, transformamo-lo numa tragédia de Sófocles. Pegamos nossa visão do que aconteceu, criamos sentimentos a respeito daquilo, limpamos o que não queremos que apareça em cena e reconstruímos a narrativa ao nosso gosto, diferindo, diversas vezes, da narrativa de outro envolvido no mesmo fato. Algumas vezes temos, inclusive, memória do que não aconteceu, mas que nos foi contado tantas vezes ao ponto de passarmos a conceber o fato como vivido por nós com riqueza de detalhes e imagens visuais.
A questão é: acreditamos que vivemos aquilo, portanto passamos a vivê-lo de forma a nos obrigar refazer uma série de eventos o simples fato de passarmos a saber que não estávamos ali. Isso também vale para nossas ilusões, para nossas vontades, para os nossos sentimentos, se de uma hora a outra percebermos que aquilo não era nada do que acreditávamos que fosse, somos obrigados a repensar nossa vida, pois estamos com uma crença partida, logo com uma crença a menos, ou apontando para outra direção. Acontece, às vezes, descobrirmos, por meio dos outros, pela alteridade alheia que somos completamente diferentes do que pensávamos ser, por conseguinte quebra-se a crença mais importante, a de nós mesmo enquanto sujeitos, e o que vem depois é tornarmo-nos órfãos de nós.