quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Ressaltando

É importante ressaltar a existência de certas categorias literárias, embora, neste espaço, não haja a pretensão de literariedade. Há muito tempo, deixou-se de encarar, na narrativa, o enunciador como sendo o sujeito empírico do autor, ou, na poesia, o enunciador como sendo o poeta de carne e osso. Outro fato importante ressaltarmos é a forma com a qual se procede na escritura deste espaço.
Há categorias que norteiam os estudos literários desde, aproximadamente, a metade do século XX. Não se trata o enunciador, a “voz”, presente na obra como sendo a voz real do autor enquanto sujeito existente no mundo dos objetos, isto é, delinearam-se instâncias narrativas, pois literatura é ficção, é literatura mesmo, antes de tudo. Então, quando se trabalha uma obra não se menciona o nome do autor como sendo a pessoa que diz tal ou tal coisas no texto. Essa instância é conhecida pelo nome de narrador. É o narrador do texto que pontua, observa e carrega os leitores (também uma instância discursiva) ao longo da obra, assim como, de forma semelhante, na poesia, a categoria é de sujeito poético. Essas categorias se tornaram mais complexas e nos deparamos atualmente com o autor-implícito, na narrativa, e com o sujeito lírico, na poesia. Estas últimas instâncias são as responsáveis por atar o texto, por tecê-lo. O autor-implícito dá direito a fala aos personagens, ao narrador, decide quanto cada um vai falar, se a frase vai ser entrecortada ou centopéica, enfim, é o responsável pelas escolhas dentro da obra. Na poesia, essas escolhas são feitas pelo sujeito lírico. Portanto, não se deve confundir autor, poeta com o enunciador da obra, pois o autor pode pensar exatamente o contrário do que escreve.
Em relação à forma de ação do enunciador deste espaço já se disse em outras postagens que o sentimento, apenas, pode ser sentido no momento em que se sente. Não se pode sistematizar qualquer sentimento enquanto estamos tomados por ele. O sentimento, somente, vira discurso quando já não é sentido ou, ao menos, não é sentido de maneira assaz avassaladora. Assim, sempre quando nos reportamos a tal assunto referente aos sentimentos, eles já são passados ou não são mais sentidos em sua plenitude.
É interessante fazer esse esclarecimento porque este espaço não é espelho de uma vida para refletir momentos, embora, de alguma forma, eles possam ser captados, pois todos escrevem algo em um determinado momento e por algum motivo. As idéias aqui expostas concordam, pelo menos, no momento de sua escritura com as do autor deste espaço, embora possam mudar muito rapidamente. Isso não significa que seja o vivenciado pelo sujeito empírico no momento da escritura, principalmente, quando o tema são sentimentos.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Inadaptação

Quando não nos contentamos com algo, buscamos readaptar-nos. Quando não nos adaptamos com alguém, procuramos modificar-nos, modificar a outra pessoa ou, simplesmente, afastar-nos. Contudo, que devemos fazer quando não nos adaptamos com nós mesmos? Aí reside uma grande dificuldade: o problema de convivência que temos conosco.
Algo se modifica em nós às vezes, seja uma situação, seja um modo de perceber o mundo que nos rodeia ou a forma de perceber-nos. Com algo modificado, temos a sensação de que estamos inadaptados ao nosso corpo, ao nosso convívio, à nossa existência. Podemos não nos contentar conosco ou, pelo contrário, contentar-nos em demasia, que esses extremos nos fazem sentir, quer plenos, quer vazios, estranhos a nós. Isso nos obriga a repensarmos a nossa vida, os nossos comportamentos, enfim, em repensar-nos.
A “auto-inadaptação” é a mais complicada de todas as inadaptações porque a única salvação, após um longo tempo de angústia, é a nossa modificação como fruto de muita reflexão. Parece paradoxal pensarmos em inadaptação à nós, pois somos obrigados a conviver conosco as vinte e quatro horas do dia, daí temos de encontrar a solução o quanto antes possível.
Repensada a nossa existência, novamente adaptados à nós, seremos outros e com novas possibilidades de inadaptação. Sempre é assim. A vida é cíclica. Temos problemas, resolvemo-los, para depois termos outros problemas para serem resolvidos e nunca chegamos a uma síntese nessa pseudo-dialética. Somos alvo de nossas angústias, suportamos todos os elogios e mal tratos, todas as ansiedade e felicidades, sempre moldando-nos, parcialmente ao menos, às circunstâncias impostas pela existência.
Portanto, a dura convivência com momentos freqüentes de oscilações interiores é a vida. A vida é constante readaptar-se, repensar-se, reviver-se. Tudo está interligado. Todas as adaptações e inadaptações criam um circuito, no qual uma estabiliza ou desestabiliza a outra. Readapto-me, logo existo.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Ira

Sempre que falamos sobre algum sentimento, neste espaço, abordamo-lo de forma mais ou menos racional. Pensamos depois de havermos sentido porque, talvez, seja esta a característica essencial dos sentimentos em geral: serem, apenas, sentidos, embora depois possamos pensá-lo, sistematiza-lo, enfim, torna-lo algo menos abstrato.
O sentimento escolhido esta vez é a ira. Oh! Sentimento terrível, quiçá com grau de hierarquia superior aos outros, mas, como todos, aparece sem que lhe convidemos, abanca-se, controla-nos e depois se vai como se não tivesse vindo, deixando-nos quase igual a como éramos antes de seu aparecimento. Quase igual, pois não seremos os mesmo, ou seremos os mesmo, no entanto com um sentimento experimentado a mais.
Assim é a ira, junto com a gula* e com a avareza são os sentimentos eleitos como pecados. Afinal vaidade, luxúria, etc. são comportamentos movidos por um sentimento, mas não sentimentos em si. Curioso a ira ser um pecado, porque sem ela seríamos seres por demais reprimidos, talvez o pecado aí seja a falta de autocontrole. A ira é necessária, descarrega-nos do que de ruim há em nós. Todos a sentimos, a única diferença é a forma como a exteriorizamos.
Atualmente, o mundo vive em torno da indústria processual, assim a ira é reprimida e uma ofensa é julgada nos tribunais. É lindo! Somos os reis da civilização. Chegamos a um ponto que nos livramos de toda a selvageria contida em nós. Em compensação, convém lembrar que também somos fábrica de assassinos em série, de psicopatas, de sociopatas e mais uma enorme gama de sujeitos que reprimiram a sua ira ao longo da vida e, em algum momento, exteriorizá-la-ão.
Dessa forma, o que fazemos é travar lutas contínuas contra a ira ao invés de liberá-la, ao menos, parcialmente, porque é óbvio que não poderemos despejá-la sempre que a sintamos, e isso vale para qualquer sentimento. Nunca nos mostramos por completo quer no amor, quer na angústia, quer na ira. Embora deixá-la aparecer com parcimônia é extremamente benéfico.
Portanto, gritemos, xinguemos, batamos um pouco, pois o esconder a ira sempre que ela aparece é condenarmo-nos a sermos infelizes, a sermos reprimidos. Deixemos de apelar a terceiros para descontar nossa ira. Resolvamos as coisas com um pouco de selvageria, pois nossa essência é selvagem. Isto que somos? Seres civilizados, isto é, seres reprimidos.
* Retire-se a gula entre os sentimentos/pecados, pois, como sagazmente afirmou Ro, ela é um comportamento movido pela ansiedade, insegurança, etc.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Um ano

Há, exatamente, um ano iniciava este espaço com a apresentação do autor. O que fizemos, neste ano, foi uma continuação da apresentação. Na primeira postagem, havia a formalização da estréia (um ano passado e sigo sem desvencilhar-me desse acento), de quem era a pessoa que escrevia e seu intuito com este blog. Depois de mais de uma centena de postagens de qualidade inconstante, o que se fez foi uma grande apresentação, pois em cada uma delas está o que realmente somos (eu e os que comentam), o que pensamos sobre diversos assuntos, como nos posicionamos diante da vida e que expectativas temos de si.
Então, isto não passará de mais uma apresentação. E espero que este ano continue a ter apresentações agradáveis, tanto da parte concernente a quem escreve como a que lê.