segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Seco

Certa vez, contou-me um amigo uma história sobre um homem seco. Ele me dizia que esse homem fora extremamente emotivo e sensível ao longo de sua vida. Via um cachorro sendo maltratado e abria a torrente de lágrimas; lembrava-se de algo triste, caía aos prantos; algo perturbava-o, chorava de maneira incontrolável. Mas um dia as lágrimas secaram quase que completamente. Uma catástrofe acontecia, e o homem parecia impassível; alguém muito próximo adoecia gravemente, e ele parecia indiferente. 
Contudo, meu amigo disse-me que havia algo de diferente nesse homem, pois ele não permanecia inalterado, senão suas lágrimas haviam secado. Achei a história um pouco estranha e havia me esquecido dela, até que conheci, tempos atrás, esse homem, tornei-me seu amigo íntimo, ele contou-me, então, sua peculiaridade. Não fosse ouvir de sua boca, não acreditaria naquilo. Ele se abalava da mesma forma que dantes com o que de ruim lhe acontecia, sentia toda tristeza e angústia próprias desses momentos, mas não chorava, aliás, segundo ele chorava, mas sem lágrimas e dizia que era pior do que chorar compulsivamente; primeiro, porque não consegui tirar a angústia e a tristeza de si, mantendo-as em seu interior, sem expurgá-las, mantinha-as no seu interior sendo cada vez mais abalado por essas coisas; segundo, porque as pessoas acreditavam que ele era um homem seco, incapaz de sensibilizar-se diante das adversidades. 
Essa é a história do homem que todos achavam que era seco por dentro, e vocês não sabem o que é pior, percebi que ele era mais infeliz que o mais emotivo dos homens. 

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Gostos

Às vezes atribuem à maturidade a característica de ser uma fase na qual nossos gostos mudam. Na verdade, não há transformação, há aceitação. Nossos gostos estavam ali escondidos sob máscaras de aceitação nos grupos, pois a adolescência é uma etapa cujas decisões vêm pautadas pelo selo da tribo à qual pertencemos ou tencionamos pertencer. Claro, há a mudança da vida, que modifica o ser em diversos aspectos, inclusive, nos gostos. Contudo, não estou me referindo a mudança de gosto para algo superior, cujo trabalho com abstrações, incorporações de estruturas novas, mas ao gosto de algo que não aceitávamos anos atrás.
Quando temos quinze anos, somos rebeldes (cada vez menos isso vem acontecendo) e marcamos nossos gostos não só pelo que os demais do grupo exigem, como também pela discordância que temos a priori com os mais velhos; se eles gostam de X, mesmo gostando também, não gostamos de X, e esse é o xis da questão. Aquele gosto fica lá e de tanto ser prescindido acabamos, realmente, desprezando-o, no entanto ele ataca novamente. Mais velhos ou mais maduros, pelo menos, começamos a observar o valor emotivo (e que é o gosto senão um apelo emotivo que agrada ou desagrada?) que ele representa e passamos assumir e a aceitar esses gostos. Para especificar a questão, refiro-me a gostos musicais, literários, estilísticos, enfim uma série de gostos. Uma vez aceitos esses gostos eles se misturam aos forjados e criam a idiossincrasia do sujeito, uma parte de essência, outra construída socialmente.